Estávamos em 1980. As equipas ambulatórias de intervenção na comunidade do ex-Centro de Saúde Mental de Setúbal dispunham já de uma valiosa experiência de articulação de trabalho com os Centros de Cuidados Primários de Saúde, sobretudo com aqueles em que se haviam fixado médicos que tinham vivido a experiência do Serviço Médico à Periferia instituído em 1975. Havia conhecimento de outras e diversas equipas que um pouco por todo o país se abriam à prática da intervenção intra-comunitária. Estas práticas punham em evidência realidades muito distintas das que eram dadas a conhecer pela prática psiquiátrica hospitalar. Daí a decisão, em reunião inter-equipas do Ex-Centro de Saúde Mental de Setúbal, de promover a organização de um encontro de âmbito nacional e interdisciplinarmente aberto e que aberto seria à participação de profissionais de outras estruturas do campo sanitário e social.
A organização foi por diante e em 28, 29 e 30 de Março de 1980 teve lugar, em Setúbal, o 1º Encontro Nacional Sobre o Ambulatório em Saúde Mental cujo programa científico se organizou em torno de: “O Ambulatório na Contribuição para os Estudos Epidemiológicos em Saúde Mental”; “Articulação do Ambulatório com as Estruturas de Apoio”; “O Ambulatório e a Formação dos Técnicos em Saúde Mental”; “ A Equipa de Saúde Mental: sua estrutura, funcionamento, dinâmica, possibilidades, objectivos”; “O Ambulatório em Saúde Mental e outras estruturas dos Serviços de Saúde”; “Meios de Acção do Ambulatório em Saúde Mental – meios financeiros, política de recursos humanos”; “Contribuição do Ambulatório na Comunidade para a reformulação da teoria e prática da Saúde Mental”.
O evento ultrapassou as expectativas: foram mais de seiscentos participantes (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos) oriundos de estruturas e serviços de todo o país que, naqueles três dias, comunicaram e debateram produzindo um acervo de cerca de setecentas páginas impressas e publicadas.
E deste evento resultaram frutos que se projectaram no tempo em âmbitos diversos e que levaram a que em 1984 fosse organizado, também em Setúbal, o “2º Encontro Nacional Sobre o Ambulatório em Saúde Mental” com metodologia de organização e programa científico idêntico ao do 1º Encontro. A participação foi de ordem similar à do 1º Encontro mas nas áreas de comunicações e debates surgiu um acentuado pendor relativamente ao âmbito, conceito e práticas da articulação (foi a palavra usada) agora mais focalizada no articular com os Centros de Saúde e Saúde Pública; relativamente à perspectiva socio-ecológica dos estudos epidemiológicos de terreno e ao questionamento do que seja uma equipa de Saúde Mental a intervir na comunidade — começa a falar-se de “equipa nuclear” (a dos serviços de Psiquiatria e Saúde Mental) e de equipa alargada quando aquela se articula com outros parceiros cooperantes para solução em conjunto de problemas concretos.
Seguiu-se a este 2º Encontro uma prolongada e consistente reflexão na qual tomaram parte particularmente activa, a equipa do Centro de Saúde Mental de Setúbal, o director do Centro de Saúde de Alcácer do Sal, Dr. Mellich Cerveira e o Dr. Fernando Vasco do Centro de Saúde de Grândola; e foi dessa reflexão que surgiu a decisão de fundar a SPESM (Julho de 1984) definido-lhe como objectivos: propor, elaborar e realizar projectos de investigação na área das articulações das equipas de ambulatório de intervenção comunitária com as equipas dos Centros de Cuidados Primários de Saúde e outras estruturas de acção social local; propor, elaborar e realizar projectos de investigação epidemiológica socio-ecologicamente referenciada; organizar fóruns de participação interdisciplinar com a finalidade de partilhar e reelaborar experiências que no “terreno” fossem tendo lugar; aprofundar o relacionamento com equipas francesas e catalãs que estavam a trabalhar orientadas por bússolas similares da nossa; fundar um órgão de informação destinado a publicitar trabalhos científicos produzidos pela Sociedade assim como as actas de eventos científicos a realizar — e foi assim que se fundaram os Anais Portugueses de Saúde Mental dos quais se publicaram até 1992 oito volumes a que corresponderam três mil e setenta páginas de texto.
Mas... a partir de Julho de 1992, com a extinção dos Centros de Saúde Mental a SPESM entrou em longo período de hibernação; e não se pode dizer que morreu porque veio a renascer em 2004 com a eleição dos actuais Corpos Gerentes; e renasceu sem renegar o húmus deixado pelas folhas caídas...